Novas visões sobre uma carta em particular podem vir de qualquer direção. As que aparecem espontaneamente costumam ser as melhores.
Durante umas boas horas antes de começar a escrever esse texto, fiquei com uma música na cabeça, tocando sem parar. Eu estava fora de casa, e assim que cheguei, logo baixei a tal música. Ao ler as letras, a identificação foi imediata – bam!, Cinco de Copas.
Na primeira vez que eu decidi analisar um pouco mais a fundo o Cinco de Copas, nunca imaginei que seria uma canção que me elucidaria de forma tão especial o que essa carta representa.
Todo mundo conhece Bridge Over Troubled Water, de Paul Simon & Art Garfunkel; bem, ao menos todo mundo dos vinte e muitos pra cima. Single epônimo do album que acabou sendo o último da carreira dos dois cantores como dupla, Bridge Over Troubled Water permaneceu por nada menos que seis semanas no primeiro lugar das top cem da Billboard, assim que o album em questão foi lançado, nos primeiros meses de 1970. A canção fala sobre amor e companheirismo em momentos difíceis e tem a típica sonoridade melosa dos anos setenta, com boas doses de eco, solos de piano e final grandioso orquestrado sugerindo sentimentos transcendentes.
A imagem central da canção é o que me remete ao Cinco de Copas. No refrão, Garfunkel, com sua voz de falsete, canta –
I’ll take your part
When darkness comes
And pain is all around
Like a bridge over troubled water
I will lay me down
Like a bridge over troubled water
I will lay me down
Eu ficarei ao seu lado
Quando a escuridão vier
E a dor estiver em todo lugar
Como uma ponte sobre águas agitadas
Eu me dedicarei a você
Como uma ponte sobre águas agitadas
Eu me dedicarei a você
Com a figura da ponte, Simon cria uma bonita imagem de cumplicidade e solidariedade, suporte emocional. Nas águas agitadas das emoções de seu interlocutor, Simon oferece-se como a ponte, pela qual ele poderá passar incólume, sem ser levado pelas águas.
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Ao fundo da cena do Cinco de Copas, há uma ponte.
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(‘…uma ponte está ao fundo, levando a uma pequena fortaleza ou propriedade.’)
Arthur E. Waite, The Pictorial Key to the Tarot.
O papel da ponte no background do Cinco de Copas é difícil de precisar com certeza. Seja qual for, certamente não é eventual, visto que Waite faz questão de mencioná-la em sua curta descrição para essa carta.
A recorrência desse motivo da ponte, me ocorre, poderia explicar sua presença condensada em imagem no Cinco de Copas – não obstante o gap temporal entre a carta e as duas canções. Talvez essa figura de linguagem seja comum à língua inglesa, talvez seja algum tipo de expressão.
Na carta, temos às margens do primeiro plano o retrato de um estado emocional pesado, de desamparo e solidão; às margens do fundo, uma construção. No universo pictórico do RWS, construções e casas têm sugerida essa implicação de segurança, paz e proteção. Ligando os dois estados, a ponte.
Estaria tal ponte, portanto, destinada a transportar o personagem para um lugar mais seguro? Outra carta que carrega essa conotação de transporte para uma margem mais tranquila é o Seis de Espadas. No entanto, nesse Seis, a mudança (e não o estado ruim, como no Cinco) recebe o foco, e resume-se em ação. No Cinco, o foco está no estado,
enquanto a mudança, representada pela ponte ao fundo, recebe um papel secundário, e parece representar mais uma possibilidade de transição que uma transição de fato. A ponte está ali, porém cabe ao personagem triste decidir cruzá-la. Então, como a ponte de Bridge Over Troubled Waters, ele poderá passar por esse momento difícil sem ser carregado por ele.
Na próxima vez que você vir o Cinco de Copas, não entre na noia do personagem central, mas procure a mensagem das entrelinhas. Não veja somente tristeza – veja também possibilidade de recuperação e transição. Está na carta.
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Som. . . Prá quem quiser escutar a música na íntegra, só clicar aqui. Para baixar o arquivo a partir desse link, clique com o botão direito e escolha a opção ‘salvar link como’.
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Biblio. . . info sobre a música foi tirada da Wikipedia.
Não tem nada a ver com o post, mas é que fiquei tão chapada que não tinha como não comentar: assista
http://vimeo.com/17772908 Pina Baush por Wim Wenders é simplesmente uma viagem. Ainda por cima quando vier em 3D…
Comentário por Luciana D — dezembro 25, 2010 @ 10:04 AM
Legal, vou checar 😉
Comentário por Leonardo Dias — dezembro 25, 2010 @ 9:30 PM
Agora, sim, sobre o post: o motivo da ponte também faz referência ao outro cinco, o Hierofante, não? Pontífice…
Comentário por Luciana D — dezembro 25, 2010 @ 10:08 AM
Legal essa sua associação. Eu dei uma pesquisada e, segundo o etymonline.com, “pontífice” vem de “pontifex” em latim, e quer dizer “aquele que faz a ponte”, ou seja, que estabelece uma ligação entre dois pontos. Essa palavra era, na verdade, um título sacerdotal romano que o catolicismo parece ter posteriormente roubado.
A palavra “ponte”, por sua vez, está ligada à raiz *pent-, que sumariza ideias de ‘ir’, ‘passar’, como também de ‘passagem’, ‘caminho’ e ‘ponte’.
Brigado pela ideia!
Comentário por Leonardo Dias — dezembro 25, 2010 @ 9:29 PM
Na verdade, essa associação não fui eu quem fez não, me lembro de já ter lido sobre isso em algum estudo de tarô. Que a ponte é um dos grandes atributos do papa.
Você não respondeu o email que te mandei dia 20…
Comentário por Luciana D — dezembro 26, 2010 @ 8:09 AM