Descobrindo o Tarot

julho 23, 2010

ANALISANDO UM DILEMA NA CRUZ CELTA

Recentemente, a leitora Valentina Oliveira levantou uma questão muito interessante em um comentário para o post sobre como resolver leituras problemáticas. Achei que seria legal expor a questão aqui e respondê-la com um post. A pergunta de Valentina foi a seguinte –

(…) costumo usar o modelo de tiragem da Cruz Celta – exatamente como descreve Liz Greene e [Juliet] Sharman-Burke no Tarô Mitológico [livro lançado no Brasil pela Ed. Madras]. Fiz, certa vez, uma abertura para estudo; na posição número 6 (Influências Futuras) caiu a Oito de Copas, e na posição 10 (Resultado Final) caiu a Dez de Copas. Como interpretar essa situação? Fiquei confusa a respeito, e pra falar a verdade ainda tenho dúvidas.

Primeiro, Valentina, eu acredito que o aspecto mais básico do seu problema está no quão claras estão as atribuições de cada posição da Cruz Celta para você. A Cruz Celta é um método de leitura posicional – faz uso de posições com funções específicas. Métodos posicionais são, antes de qualquer coisa, estruturas; pra você tirar o melhor deles, portanto, é preciso seguir a estrutura o mais fielmente o possível. Regra básica.

Eu vou começar dizendo uma coisa que certamente já passou pela cabeça de muita gente:

Uma leitura de cartas pode ser vista como uma frase – é a afirmação, a determinação, é a descrição de um fato.

A estrutura das jogadas posicionais pode ser comparada ao mecanismo sintático de uma frase. É só lembrar-se das aulas de português – uma oração pode ser dividida em vários elementos, cada um com uma função sintática específica – sujeito, predicado, complementos, etc. O significado de cada palavra que compõe a frase é aderido ao contexto da frase, por meio de tais funções. Uma leitura de cartas posicional não funciona muito diferente – você tem as cartas, cada uma com seu significado; e você tem as posições onde elas caem, cada uma com sua função; ao combinar essas duas coisas e associá-las ao contexto da leitura, você tem a mensagem. Portanto, quanto melhor você entender a função de cada posição, mais fácil vai ser driblar aparentes inconsistências, como a que você citou. Ler Tarot é comparável a falar um idioma – o falante de uma determinada língua instintivamente domina a sua norma, e a usa para expressar-se. A ideia é habituar-se tanto com essa linguagem de funções posicionais a ponto de ela se tornar instintiva pra você. Para alcançar isso, é necessário introjetar a estrutura; e uma boa compreensão da estrutura advém da clareza. Mais uma vez, se você está usando uma estrutura, deve segui-la.

Dito isso, podemos partir para o próximo aspecto da questão, que é justamente a definição clara da função de cada posição. Em nome da objetividade, vamos nos concentrar aqui na informação que Valentina nos passou no comentário. Temos então que a posição 6 refere-se a “influências futuras”, ao passo que a posição 10 é o “resultado final”. Embora isso não fique óbvio à primeira vista, ambas as posições referem-se a coisas de naturezas bastante distintas. A diferença entre as duas é que, essencialmente, a posição 10 detém uma qualidade mais absoluta, enquanto que a posição 6 descreve fatores mais circunstanciais. A posição 6 indica o desenrolar da situação em um futuro próximo, ela é parte de uma linha do tempo. A posição 10, por outro lado, é a força maior sobre a situação – ela está acima do tempo. A posição do resultado final é, a propósito, um recurso muito empregado em vários métodos de leitura posicional. Uma de suas principais funções é a de dar um termo à leitura, amarrá-la num contexto geral e evitar que ela não se perca no ar. A posição 10 serve de referência e de balizadora para todas as outras cartas – em qualquer duvida, ela é a dona da palavra final.

Ao que me parece, a confusão de Valentina baseia-se na ideia comum de que o futuro guarda o termo para a questão – ele é o detentor da resposta, ele a determina. Pensando assim, fica mesmo fácil confundir o valor das duas posições. Já discutimos isso no post sobre o futuro e o tempo. De qualquer forma, no caso particular da posição 6 da Cruz Celta, o futuro aparece simplesmente como uma sequência ao momento presente. Tal posição não fornece nenhum decreto final sobre a situação, dando apenas um vislumbre dos próximos acontecimentos. No caso exposto por Valentina, o futuro reserva alguma situação Oito de Copas para o consulente – entretanto, a palavra final da situação pertence ao Dez.

Resumindo, o cerne da questão de Valentina está na diferença de natureza entre as duas posições. Ambas não possuem nenhum tipo de relação direta. As influências futuras são como os próximos capítulos da história. O resultado final determina mais acuradamente o termo da questão – seja ele presente, futuro, ou passado – cabendo às outras cartas da cruz Celta, inclusive a posição 6, fornecer-lhe dados complementares.

Pra finalizar, duas fontes de referência que considero completamente indispensáveis para quem gosta de praticar a Cruz Celta. Uma ótima descrição desse método pode ser encontrada no livro de Rachel Pollack 78 Graus de Sabedoria – Parte II, publicado no Brasil pela editora Nova Fronteira (a Parte I desse mesmo livro é igualmente excelente). Outra magnífica descrição da Cruz Celta pode ser encontrada aqui, e foi feita por Joan Bunning para o seu conhecido site LearnTarot.com. Cada posição é descrita com extremo detalhe, e Joan ainda sugere um passo-a-passo de como interpretar a disposição.

É isso. Obrigado a Valentina, e a todos os que participam do blog, enviando perguntas ou comentários. Se você tem alguma dúvida, pode também expor, e descobriremos juntos.


Imagem A imagem de hoje é um snapshot capturado e trabalhado de um video no YouTube chamado celtklein, que monstra a gradual criação de um nó celta desenhado. Quem nunca viu vídeos de desenhos de nós celtas deveria conferir – é muito legal.