Tenho experimentado bastante com arranjos posicionais customizados e orgânicos nas minhas leituras, em vez de somente reproduzir disposições tradicionais. A seguir, falo mais desses métodos, aproveito o ensejo para falar um pouco sobre como lemos as cartas e compartilho uma disposição, a título de exemplo.
Arranjos posicionais customizados e orgânicos – nome comprido. Posicionais porque são compostos por posições com função específica, que forçam mais exatidão sobre os significados das cartas que caem nelas; customizados por serem desenvolvidos exclusivamente para a questão do consulente, oque confere maior respeito às suas peculiaridades; finalmente, orgânicos¹, já que crescem de acordo com as necessidades da leitura, abrindo espaço para novos enfoques dentro de uma mesma questão. Junte tudo isso e você terá os tais arranjos posicionais customizados & orgânicos. O que esse nome carece em elegância, sobra em expressividade, ao menos.
A leitura de cartas não passa de uma sobreposição dinâmica de sistemas e estruturas que estabelecemos para impor precisão aos significados que damos às cartas, a fim de que esses possam ser arranjados em mensagens inteligíveis – legíveis, de fato. A ideia de usar cartas com significados para lançar prognósticos pede uma metodologia para dispô-las, já que sem ordem não é possível haver mensagem que componha prognóstico algum. Inseparavelmente associadas à noção de ler cartas desde seu princípio, as disposições posicionais foram naturalmente desenvolvidas como uma resposta a essa demanda; são parte essencial do aprendizado e da prática da leitura de cartas. Diferentes arranjos, compostos de posições apropriadas, são desenvolvidos para diferentes tipos de pergunta. Métodos de disposição ganham nome, função, fama, e até poder de alcance temporal; livros sobre leitura de cartas não deixam de incluir seções especiais para eles, enquanto leitores performam suas consultas com uma sucessão de várias disposições de leitura. Métodos de disposição fornecem, portanto, uma estrutura fixa à qual os significados das cartas podem ser firmemente pendurados. É uma consequência natural o fato de, com o tempo, certos arranjos adquirirem status de tradicionais.
A desvantagem dos arranjos posicionais tradicionais está justamente em sua firmeza: por consistirem sempre no mesmo conjunto de posições descrevendo sempre um mesmo aspecto de qualquer questão, eles nos obrigam a comprimir a situação do consulente em um esquema padronizado, o que caracteriza uma imposição de rótulos. O uso de arranjos sempre iguais encoraja a ideia de que todas as situações são iguais, pouco importando as variadas circunstâncias que as compõem. Podemos fazer melhor que isso, e é oque métodos posicionais customizados nos oferecem: moldando-se às particularidades de cada situação, permitem que cada questão seja contemplada pelo que tem de especial e, de quebra, tiram maior proveito da propriedade das cartas de se adaptarem a diferentes situações, revelando-as em sua integridade. Além disso, analisar uma situação com o objetivo de levantar seus pontos mais proeminentes é um exercício que nos força a considerá-la com mais objetividade.
O exemplo a seguir foi uma disposição que criei há alguns dias para analisar a situação de um casal que se separou recentemente. Na ausência de perguntas específicas, achei apropriado desenvolver um arranjo que empregasse os três potenciais básicos que uma leitura de cartas possui – o descritivo, o preditivo e o orientador. Decidi então usar as cartas para representar cinco aspectos da situação em questão: o consulente (um dos parceiros), o status da situação, suas causas, prognósticos e como o consulente deve agir. Duas das cinco posições – o status da situação e seus prognósticos – são compostas de um par de cartas, para mais detalhes. Sorteei sete cartas, que foram dispostas como na figura abaixo.
O formato da disposição foi definido sem muita consideração, apenas por me lembrar uma escada (a ideia de uma progressão de estágios). As funções de cada posição podem ser resumidas como
1 – O consulente
2 – o que acontece (2a, 2b)
3 – as causas do que acontece
4 – prognósticos (4a, 4b)
5 – como agir.
Temos aqui representados os dois aspectos principais de uma situação, isto é, a situação em si e o consulente como personagem principal da cena. Alternativamente, poderíamos adicionar uma posição extra entre a primeira e a segunda, representando seu parceiro.
O eixo 1-3-5 pode ser encarado como uma disposição à parte dentro do arranjo, indicando oque motiva (3) o consulente (1) a agir, além de orientá-lo a respeito de como (4) deve agir a fim de contextualizar suas ações mais proveitosamente à situação. A posição 3 tem relevância mais saliente no arranjo, pois pode ser vista como representante também das causas e motivações do consulente.
Sorteando sete cartas, obtive
Considerada uma das piores cartas do tarot, o Nove de Espadas representa as bases dessa situação (figura acima), indicando que o conflito entre os dois parceiros chegou a um nível de aflição que os impede de ver as coisas com clareza. Ninguém acredita em mais nenhuma possibilidade de acerto, ambos não sabem como as coisas foram chegar a esse estado. A combinação do Cavaleiro de Copas (o consulente) como Nove de Espadas indica que é o desespero que motiva o consulente a querer ficar com seu parceiro. Ele deve, no entanto, ser mais paciente, receptivo e humilde (Pajem de Pentáculos), pois a corrente situação de queda de braço, onde o primeiro que abrir a guarda admite submissão (Rainha de Bastões + Quatro de Pentáculos), dará lugar à concórdia em breve (Dez de Copas + Dois de Espadas). Ainda que essa concórdia não represente uma resolução real dos conflitos entre o casal (Dois de Espadas), ela trará felicidade e novas esperanças (Dez de Copas). Comparando as cartas de mesmo naipe (progressões de estado de um mesmo fator dentro da situação), vemos os conflitos do Nove chegando a um ponto de resolução no Dois. Os dois personagens de olhos tampados indicam que a felicidade dos que celebram o arco-íris que finaliza o fim da tempestade no Dez não é exatamente autêntica, pois advém de uma certa vista grossa aos reais problemas. Compare também o Pajem, humilde e contente com seu único disco, com o rei ganancioso do Quatro, que se apega como pode a tudo o que tem. O Quatro, aliás, combina bem com a Rainha, ambos falando de vaidade e egoísmo.
A possibilidade de enxergarmos conjuntos menores dentro de um mesmo arranjo de cartas (como o eixo 1-3-5) me faz pensar que podemos quebrar um arranjo em diversos blocos de posições ao longo da leitura. Você pode combinar as posições que compõem um arranjo de várias formas diferentes, criando vários subgrupos, podendo assim explorar diversos aspectos da questão numa mesma jogada. Para além dessa ideia, eu também posso pensar em blocos de posições livres que, como peças de lego, podem ser combinados de inúmeras formas diferentes para criar novos arranjos. É o caso da pequena cruz, um bloco de posições que eu tirei da Cruz Celta (suas posições 1 e 2) e que uso para compor ou complementar outros arranjos.
A ocasião da leitura, onde as ideias vão se combinando e se construindo conforme progride o diálogo entre consulente e leitor, é o momento ideal para o leitor usar os arranjos com mais liberdade, pois tudo está mais plástico. Métodos criados pelo próprio leitor lhe dão mais liberdade de ação para montá-los e remontá-los à sua escolha. Oque distingue o caráter de leituras orgânicas é justamente essa vivacidade que abre maior espaço à expressão individual do leitor, em contraste com um estilo de leitura que prioriza a reprodução repetitiva de modelos limitados.
Vale ressaltar que arranjos customizados não precisam antagonizar com arranjos tradicionais. Você pode enriquecer sua leitura usando as duas formas de dispor as cartas, aproveitando de cada qual oque ela oferece de melhor. A coisa toda não está exatamente nos métodos a serem usados, mas em como o leitor faz uso desses métodos. Se, por um lado, para obtermos mensagens dos significados das cartas, precisamos limitá-los, por outro, é preciso cuidar para que não consideremos os limites antes dos próprios significados. A simples possibilidade de, literalmente, construir a leitura ao mesmo tempo em que ela é feita, amplia os horizontes e ajuda a diminuir estruturas desnecessárias que acabam por prevenir nosso contato despojado, direto com as cartas.
NOTAS
1 James Ricklef fala mais sobre métodos de leitura “orgânicos” neste post de seu blog. É daí que eu tiro o termo, Ricklef sendo provavelmente seu criador. Vale a pena conferir o post, a propósito.